Havia sido só uma mentira, não é ? Tanta gente perdoa traição, existia tanta coisa pior que o Kurt poderia ter feito comigo, mas eu terminei nosso namoro de cinco meses por culpa de uma mentira estúpida. Eu poderia ter levado em consideração o fato de que ele tinha mentido para mim com medo da minha atitude, por culpa minha.
Se eu não fosse tão impulsiva, tão teimosa e tão insegura, eu não teria terminado tudo. Para ser sincera, eu queria que o Kurt corresse atrás de mim e tentasse fazer com que tudo ficasse bem de novo. Nós dois tínhamos errado (ele mais do que eu) e isso era fato. Só que eu havia posto um ponto final em tudo, eu estava sozinha, jogada na cama, chorando e arrependida por culpa minha. De ninguém mais, só minha.
Mas eu conseguia entender o porquê de eu ter feito o quê fiz. Eu estava com raiva de mim, mas me entendia. E isso é muito confuso e retardado. Agora eu acredito que não sou normal.
Eu estava com raiva por tê-lo perdido, mas eu entendi o porquê de ter terminado.
As coisas nunca eram do jeito que deveriam ser, do jeito que eu esperava que fossem. Ele sempre me dizia uma coisa, mas o que acontecia era diferente. Descobrir que o Kurt mentiu para mim, foi decepcionante.
Eu nunca esperaria isso dele, nunca.
Troquei o meu vestido branco, por uma camisola rosa das Meninas Super Poderosas e deitei na cama de bruços, ouvindo a música que saia do meu estéreo, preenchendo o meu quarto e o vazio que estava surgindo no meu peito.
And I wanna believe you
When you tell me that it'll be okay
Yeah, I try to believe you
But I don’t
When you say that it's gonna be
It always turns out to be a different way
I try to believe you
Not today, today, today, today, today
- Você ainda não perdeu essa mania ridícula de ficar ouvindo Avril-Porcaria-Lavigne, né ? - ouvi uma voz conhecida dizer.
Ótimo, além de estar triste e arrependida, também estava louca. Porque, assim, seria completamente impossível o dono daquela voz estar aqui, no meu quarto, perto de mim.
Mesmo sendo tudo o que eu queria.
- Sério mesmo que você não vai vir abraçar seu irmão ? Eu pensei que você sentisse minha falta, gordinha.
Depois dessa frase, eu fui virando minha cabeça em direção à porta, lentamente e o vi ali, com os braços apertos, esperando por mim.
Sentei rapidamente, coçando os olhos e no momento que eu finalmente percebi que aquilo não era uma miragem, saí correndo em direção à pessoa que eu mais amava no mundo.
- Você tá aqui ? De verdade ? - falei enquanto o abraçava.
- Não, o quê você está vendo é o meu espectro.
- Idiota. - murmurei.
- Ah, gordinha. Que saudade de você. - Luc falou me pegando no colo, enquanto eu prendia minhas pernas em sua cintura.
- Muita, muita, muita, gordinho. - falei, parecendo uma criancinha - Então, o quê você tá fazendo aqui ?
- Se eu não soubesse o quanto você me ama e precisa de mim, pensaria que não sou bem-vindo na nossa casa.
- Convencido. Como você sabia que eu tava aqui ?
- Eu encontrei nossos pais na Austrália, sabe. Eles passaram dois meses tentando me convencer a vir para cá, cuidar de você. Eu aceitei, achei que seria legal voltar para casa. Voltar para minha pestinha.
- Então eles tiveram que te convencer ? - perguntei visivelmente chateada.
- Claro que não né, pestinha. Eu só tive que fazer um charme, para os velhos não pensarem que ainda mandam em mim.
- Tá, tá. Me conta... O que você tem feito ? Aonde você tava ? Tá namorando ? Apaixonado ?
- Uma pergunta de cada vez, tampinha.
- Seus apelidos me tocam. Um mais carinhoso que o outro. - falei com uma falsa indignação.
- Vejamos. Eu não tenho feito nada demais, tranquei minha faculdade de Direito, estava morando no Brasil antes de ir para a Austrália, estou ajudando um amigo meu com um negócio aí, não tô namorando, mas estou apaixonado.
- Sério ? Que como ela é ? Ela é bonita ? Legal ?
- Ela é linda, Bia... – ele suspirou – Mas...
Ok, sempre tem um mas. E eu geralmente não gosto quando essa palavrinha irritante aparece em uma das frases do meu irmão. Ele começou a falar da Sarah, a australiana que roubou o coração do meu maninho.
Enquanto ele falava, eu o observava fixamente, três anos mudam muito qualquer pessoa. Meu Luc agora estava um pedaço de mal caminho, não que ele não fosse, mas agora. Uiii.
Forte, ombros largos, alto, loiro e de olhos azuis.
É daí que você pode tirar a conclusão do porquê eu sempre pensei que havia sido adotada. Enquanto o meu irmão era loiro, eu tinha cabelo de cor castanho médio. Enquanto ele tinha lindos pares de olhos azuis que lembravam um oceano, meus olhos eram castanhos e escuros. Mas uma das piores coisas para mim, era o fato de o Luc ser completamente gostoso e charmoso, coisa que eu nunca, jamais, em tempo algum seria. Na minha opinião, pelo menos.
Quando eu não pensava na ideia da adoção, pensar que ele tinha ficado com a parte boa da genética dos nossos pais, enquanto eu ficara com o resto parecia mais reconfortante. Sério.
Eu sei que não sou de jogar fora, mas meu irmão era tudo o que você poderia imaginar e muito mais. Sem contar as qualidades e beleza interna, que só ele possuia.
Sempre foi um amor e, por isso, eu sempre tive ciúmes do Luc. Por todo lugar que ele passa, chama atenção.
Eu lembro de sempre querer trancá-lo em um potinho de cristal e guardá-lo para mim, só pra mim. As meninas que ele arruma não são boas o bastante para ele. E esse era outro fato.
- Deve ter sido difícil, né ?
- Muito, vê-la casando me matou.
- Eu queria ter estado lá, com você. - falei tentando reconfortá-lo. A tal Sarah tinha o trocado por um homem mais velho e rico, acabou se casando e quebrando o coração do meu irmão. Agora é fato, todas as australianas são vacas. Bom, pelo menos as que eu ‘conheço’.
- Eu queria que você estivesse. Mas... E você, tampinha ? A mamãe me contou que você estava morando com duas amigas.
- Na verdade três, mas eu acho que a Ana Juli e nada é a mesma coisa. - falei zoando.
- Aquela retardada também tá morando aqui ? - ele falou surpreso
- Aham.
- Mas os tios não moram aqui em Dallas também ?
- Moram, mas ela não vive sem mim.
- Aham. Claro. - ele falou irônico e eu o dei um tapinha de leve.
- Enfim, a Paula e a Flora são as outras moradoras da “república” Almeida. – falei fazendo aspas com os dedos - A gente se conheceu esse ano, por causa do colégio. A Flora sempre fora amiga da Ana, já a Paula era a antissocial do colégio. Quando os nossos pais disseram que iam embora, eu fiquei desesperada. Você sabe como eu me apego rápido às pessoas. Também tem os Harcourt, os nossos vizinhos... Eles e as meninas são pessoas maravilhosas.
- Elas são bonitas ? Como a Ana tá ? - gargalhei, meu irmão é um safado. Como eu pude me esquecer ?
- Luc do céu, a Ana tá uma gata !
- Sério ?
- Seríssimo ! Ela mudou demais.
- Pena que ela é como uma irmã pra mim, mas... E as outras duas ? – ele pediu, fazendo uma cara de safado e eu gargalhei.
- A Flora é uma gata, mas tem namorado. E eu acho que a Paula é mais o seu tipo.
- Gata, inteligente, meio maluquinha e gente boa ?
- Yeeep. Sem contar que é responsável e ama a sua irmãzinha aqui.
- Opa, vai me apresentar quando então ? - nós dois rimos.
Então eu passei séculos falando sobre a minha vida aqui, em Dallas. Até chegar o momento da minha briga e do meu término com o Kurt. O que foi não foi muito fácil para mim. Matéria recente, oi.
- Estou perdido nisso tudo. - ele falou confuso - Se você se arrependeu de ter terminado, por que você não foi atrás dele ?
- Porque eu queria, e quero, que ele me procure. O erro foi dele no fim de tudo.
- Eu sei que não é só isso, pequena. - ele falou, olhando em meus olhos.
- Eu acho que cansei, sabe Luc ? - suspirei.
- Cansou do... Qual o nome dele mesmo ? - ele pediu com uma cara super fofa, me fazendo soltar um riso fraco.
- Kurt, Kurt.
- Foi dele que você se cansou ?
- Não, eu cansei de me decepcionar. Eu acho.
- Você acha ?
- Ele me colocou como segunda opção essa semana toda por causa da Mellanie, eu não estava acostumada com isso. Eu não gosto disso, foi muito decepcionante, sabe ? E além do mais foi uma mentira agora, mas e depois ? Quem me garante que ele não vai fazer de novo ?
- Amar, mais que se decepcionar é aceitar, perdoar, pequena. - ele começou - Além do mais, você nem ouviu o que ele tinha para te dizer.
- Eu não sei se vou conseguir aceitar e perdoar essa mentira, Luc.
- Você vai, eu sei que sim.
- O que te faz ter tanta certeza assim, Senhor Almeida ?
- Eu te conheço melhor do que você mesma, cara dama.
- Até parece. - falei com desdém.
- Você é tão previsível, Bia. Não esquece que o gostosão aqui é o seu irmão, tá ? Você precisa se ver quando fala desse menino. Seus olhos brilham e você fica com aquele bendita cara de menininha apaixonada, poderia ser patético até.
- Patética é a mãe. - comecei - Ah, não. A sua mãe é a mesma da minha, então não vou deixar que...
- Cala a boca. - ele disse, tacando uma almofada em meu rosto.
- Que abusado, mal chegou e já quer botar banca na parada. Sai pra lá, seu gordo. - joguei outra almofada nele.
Ficamos nessa durante sei lá quanto tempo. Conversar, implicar com o outro, bombardeio de almofadas, mais conversas, mais implicâncias e assim até às duas da manhã.
Nada do Kurt ligar.
Nada dele me procurar.
Nenhum sinal dele, mas eu não estava preocupada. Na verdade, Kurt Harcourt era a última coisa que passava na minha cabeça. Pelo menos agora.
Meu irmão estava ali comigo, eu não poderia desejar algo melhor.
- É tão bom ter você de volta, aqui comigo. - falei, enquanto me abraçava no Luc para poder dormir.
- É tão bom estar de volta, para você. - ele envolveu minha cintura com seus braços.
- Eu te amo, gordinho.
- Mas eu te amo mais, coisinha.
Eu sempre tive mania de dormir junto ao meu irmão. Ele sempre fora muito atencioso e protetor em relação à mim.
E era assim que eu me sentia quando estava com ele, protegida. Quando seus braços estavam ao redor da minha cintura, como se fosse um suporte, uma ajuda para a hora da queda, quando as palavras que saíam de sua boca me acalmavam, quando seus conselhos me ajudavam, eu só sabia de uma coisa: não haveria outra pessoa no mundo capaz de me fazer sentir tão completa e tão protegida assim.
Luc sempre fora meu melhor amigo, meu irmão, meu confidente, meu pai, meu tudo.
Não importa o que aconteça, ele sempre irá cuidar de mim.
O que eu pensei que o Kurt faria. Pelo menos era o que eu queria que ele fizesse.
- Bia ?
- Oi, gordinho.
- Você tá chorando ?
- Chorando ? Não, claro que...
- Você não me engana, Bia. - ok, eu estava chorando.
Minhas lágrimas de arrependimento corriam por meu rosto e molhavam o pescoço do meu irmão, já que estávamos abraçados.
- Posso te dar um conselho ?
- Não. - falei igual a uma criancinha birrenta e pressionei mais ainda meu rosto em seu pescoço.
- Mas eu vou falar de qualquer jeito, porque eu não suporto ver você chorar. Eu sou seu irmão e o que eu mais quero no mundo é te ver feliz.
- Sinceramente, eu nem sei porquê você me pergunta as coisas já que você nunca ouve minha opinião, Luc. - falei com a voz abafada.
- Eu não conheço esse tal de Kurt e eu sei que estou aqui há ... - ele fez uma pausa olhando o relógio - Três horas, mas eu vi o jeito que o seu olho brilhou quando você começou a falar nele, eu vi o seu sorriso abrir em meio as suas lágrimas quando você contou da viagem de Genebra, eu percebi o quanto você ficou triste me contando o motivo da briga e eu... - ele suspirou - Eu nunca tinha visto você desse jeito antes.
- Aonde você quer chegar com tudo isso, Luc ?
- Bia, olha pra mim. - ele falou puxando meu rosto e mantendo nossos olhares - Se você procurar um motivo para brigar com ele e pra concretizar o medo que você tem de se machucar, vai sempre encontrar. Tem que decidir o que é mais importante pra você. Manter seu orgulho e não ter nada, ou correr o risco e, talvez, ter tudo. Pensa bem, meu anjo.
Eu não queria admitir minha fraqueza, não queria passar por cima do meu orgulho.
Mas como decepcionar alguém que sempre esteve do seu lado ?
O Kurt secou minhas lágrimas, abriu meus sorrisos, riu das minhas piadas que são sempre sem graça, me protegeu, cuidou de mim do jeito dele... Eu já deveria ter aprendido que romances de contos de fadas não existem, que a vida real é muito mais dolorosa do que isso. Eu deveria estar agradecida por amar e ser amada de volta, por ter encontrado alguém que me faz o motivo de seus sorrisos, por ter alguém do meu lado.
Eu deveria abrir mão do meu orgulho por essa pessoa, eu deveria aprender a ceder, eu deveria ir atrás do Kurt e dizer que queria voltar, mas eu simplesmente não consigo. Eu não estou pronta pra isso, ainda.
Eu já abri mão de tanta coisa por ele, coisas que eu nunca pensei em fazer por ninguém.
E eu sei, algumas coisas mudam....
Mas outras, jamais mudarão.
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