- Cadê ela ? - perguntei assim que avistei meu irmão em um dos corredores do Hospital.
- Está descansando, o médico pediu para esperar um pouco aqui. - ele falou e eu pude perceber o quanto acabado ele estava.
Os cabelos do Luc estavam bagunçados e sua blusa social com os três primeiros botões abertos, me aproximei dele ignorando o fraco cheiro de álcool que emanava de suas roupas e o abracei. Senti minhas lágrimas quentes correrem pelo meu rosto, enquanto ele me abraçava.
Nós dois estávamos nos sentindo culpados, isso era fato. Tanto eu quanto ele sabíamos que ela não estava bem, mas ninguém pensou que a Megan chegaria a esse ponto.
Quero dizer... Tentar suícidio ? Como assim ?
- Bia ? - Kurt me despertou dos meus pensamentos e me tirou dos braços do Luc.
- Oi ? - murmurei.
- Acabaram de avisar que a Paula já pode receber visita.
- Então o quê a gente está esperando ? Vamos logo ! - falei impaciente.
- Só pode entrar uma pessoa por vez.
- Eu vou. - falei e, sem esperar a opinião de ninguém, comecei a seguir a enfermeira até o quarto.
Aquele corredor branco com detalhe verde água estava me dando nos nervos. Passamos umas dez portas e aquilo tudo parecia não ter fim, até que aquela mulher ranzinza que me acompanhava parou em frente à uma porta branca com o número 221. Meu coração disparou e eu suspirei, fracamente, antes de abrí-la.
A Paula estava pálida, vestindo aquela roupa branca de hospital e tomando soro na veia. Meu coração ficou esmigalhado ao ver minha amiga daquele estado e saber que isso poderia ter sido evitado piora tudo. Antes de falar com ela, o médico conversou um pouquinho comigo sobre o seu caso. Ao que parece, ela tomou uma série de remédios e acabou tendo uma overdose, se o meu irmão não tivesse chegado a tempo, ela estaria morta. E eu não conseguia nem pensar no que faria se isso tivesse acontecido.
Ele pediu que nós não a deixassemos sozinha em hipótese alguma nos próximos três meses e que passasse a se consultar com um psicólogo. Ok, todo mundo sabe que a última coisa vai ser um pouco difícil de acontecer, tendo em vista que a Paula sempre falou "Quem vai a psicólogo tem problema na cabeça, não é sinônimo de ter dinheiro. Significa que você é o maluco o bastante para pagar mais de duzentos reais e ficar falando para um desconhecido sobre a sua vida, mais vantagem falar com um espelho. Ele te ouve, não te responde e é de graça."
- Quando ela vai receber alta ? - perguntei.
- Amanhã, é melhor deixá-la aqui hoje caso haja alguma complicação.
- Tudo bem. - desviei meus olhos dele e encarei a Paula. Não pude deixar de perceber uma espécie de curativo em seu pulso. - O que aconteceu com o pulso dela ?
- Ah, claro. - ele pareceu ter entendido minha confusão - Sua amiga tentou se matar.
- Eu sei, o senhor falou. Overdose de remédios, mas o que isso tem haver com o pulso dela ? - perguntei mais confusa ainda.
- Antes dos remédios, ela tentou cortar os pulsos. Pelo menos foi isso o que ela nos contou. - eu o encarei perplexa - Foi por isso que eu te aconselhei a procurar um psicólogo, senhorita Almeida. Sua amiga não está bem, podemos estar presenciando um caso de depressão.
- É tão grave assim ?
- Talvez sim, talvez não. - ele falou vagamente - Olha, você vai precisar ser firme pelas duas. Não a deixe se sentir culpada, muito menos sozinha. A senhorita Smith vai precisar do apoio de todos os amigos.
- Está bem. Posso falar com ela ? - pedi, ainda em choque.
- Claro. - ele sorriu.
- Obrigada.
Caminhei em sua direção, suspirando e pensando muito bem no que eu ia falar, sentei-me no meio da cama e segurei sua mão machucada. Seus olhos enxeram de lágrimas no mesmo momento que o meu.
- Hey. - sussurrei.
- Hey.
- Como você está ?
- Na medida do possível, bem e envergonhada. E você, fofinha ?
- Poderia estar melhor, né. - apertei sua mão.
- Estraguei seu dia não foi ? - a olhei e balancei a cabeça negativamente.
- Mesmo te vendo nessa situação eu não consigo parar de pensar no quão egoísta você foi. - as lágrimas começaram a cair pelo meu rosto novamente - Se matar, Paula ? Como você pode ? Será que você não parou pra pensar nos seus pais ? Nos seus irmãos ? Nos meninos ? Em mim ?
- Desculpa. - ela murmurou - Eu estava cansada.
- Cansada de quê ?
- De tudo. Eu não aguentava mais olhar na cara do seu irmão, eu tinha inveja de ver você e as meninas felizes com os Harcourt e saber que eu nunca encontraria alguém daquele jeito. EU CANSEI. Eu mudei pelo seu irmão, fiz tudo que ele queria que eu fizesse, tentei ser o que ele sempre quis, mas o quê eu recebi ? Todo dia uma menina diferente, eu não aguentava mais saber que eu amava alguém que nunca iria me amar.
- Você não sabe do que está falando, Paula. - falei seca.
- Ah, não sei ? - ela me olhou debochada.
- Não, não sabe. Quem te trouxe aqui, Paula, foi ele. Quem te achou desacordada, te trouxe para essa porcaria de hospital e me ligou desesperado foi ele ! Quem está lá fora quase chorando por isso tudo é ele ! Então não venha me dizer que ele não gosta de você, porque eu nunca vi meu irmão gostar tanto de uma menina antes.
- Verdade ?
- Não, eu estou mentindo. - falei irônica - Claro que é, anta.
- Então depois disso tudo, ele não gosta mais. O Luc não vai querer uma garota problemática na vida dele, ele já tem você.
- Paula, cala a boca. - dei um tapa fraco nela.
- Me perdoa ? - ela pediu do nada.
- Você não em que pedir perdão, Paula.
- Tenho sim. Eu não tô pedindo perdão por ter tentado me matar, mas sim por não ter te procurado no momento em que eu passei a me sentir desse jeito.
- Então eu devo me desculpar por não ter te procurado quando eu percebi que você não estava bem. - confessei.
- Estamos quites, então. - ela deu um riso fraco.
- Promete que nunca mais vai fazer isso ? - pedi - Eu quero que você me procure e fale comigo, mesmo que seja por ciúmes da mim com o meu irmão. Claro que em relação a isso eu não vou poder fazer nada, mas... - dei um sorriso.
- Prometo.
- Promessa de dedinho ? - levantei meu dedo minguinho.
- Promessa de dedinho ! - nós duas sorrimos.
Nós ficamos conversando por um tempinho, era difícil olhar para ela e não lembrar do que tinha acontecido. Eu queria gritar e dizer o quanto ela foi irresponsável, eu queria falar tudo o que estava preso na minha garganta e, mais do que tudo, eu queria chorar. Mas não. Eu precisava ser forte por ela e por mim, assim como o Dr. Roosevelt falou.
Não faça com que ela se sinta culpada, eu repetia para mim mesma a cada instante.
- Meg, eu vou sair pra outra pessoa poder entrar, ok ? - eu disse, me levantando.
- Está bem. - dei um beijo em sua testa e saí.
Os Harcourt, as meninas e meu irmão ainda estavam na recepção, me esperando. Abracei o Kurt e comecei a chorar tudo o que eu havia prendido nos quarenta minutos que fiquei lá com ela. Luc se levantou para ir ao quarto dela, mas eu o pedi que esperasse um pouco. Me acalmei e, relutante, fui falar tudo o que o Dr. havia me dito.
Não preciso dizer o quanto ele ficou abalado quando o contei o motivo da Paula ter feito aquilo, posso jurar que vi uma lágrima escorrer pelos seus olhos. Eu o abracei e sussurrei em seu ouvido palavras de conforto, as mesmas que o Kurt havia dito para mim segundos antes.
- Vamos para casa, tomar um banho.
- Não, eu vou ficar aqui, pequena.
- Eu não estou pedindo, Luc. - falei séria - Vamos lá, toma um banho e depois você volta.
- Mas, Bia...
- Sem mas. Você veio de carro ? - ele balançou a cabeça, afirmando - Ótimo, Kurt leva a gente ?
- Claro. - ele levantou e se pôs ao meu lado. Me despedi dos meninos e da Ana, a Flora estava com a Paula.
O caminho até a minha casa foi silencioso, terrivelmente silencioso.
Kurt foi para casa dele, após me dar um beijo rápido e sussurrar que tudo vai ficar bem, Luc subiu para o meu quarto e foi tomar banho sem dizer uma palavra se quer, enquanto eu me deitei na cama ainda estupefada com tudo o que havia acontecido hoje.
Nesses momentos eu me pergunto, o quê mais poderia acontecer comigo ? Eu já não deveria ser forte o bastante para saber passar por esse tipo de situação ?
Odeio ser sensível e insegura.
- Bia... - Luc falou após eu ter me levando e sentado ao seu lado - Eu estou...
- Eu sei, eu também.
- Ainda não consigo acreditar que isso tudo foi culpa minha. - ele falou desolado.
- Eu acho que você deixou essa sua história com a Paula muito...
- Pra lá ? De lado ? Fiz com que parecesse que não tivesse importância ? - ele suspirou.
- É, você estava curtindo sem se preocupar com as consequências, mas você não deve ser culpar.
- Não ? - ele perguntou irônico.
- Não, ela é fraca apesar de tudo e nós dois sabemos disso. Eu acho que ela viu na situação de vocês uma 'desculpa perfeita' - fiz aspas com as mãos - se isso não acontecesse agora, aconteceria depois.
- Pode ser, mas... Eu tenho medo dela tentar de novo. Sei lá, eu nunca me senti assim, Bia. Eu não sei me importar com outra garota que não seja você, eu não quero me importar. - ele falou de uma forma fofa e até... Confusa.
- E por que não, Luc ? Já está na hora de você deixar alguém entrar nesse coraçãozinho lindo, gordinho. É tão bom amar e ser amado de volta, ter alguém para compartilhar alegrias e tristezas, alguém para te achar o ser mais patético e mais interessante do mundo...
- Mas eu já tenho você para isso. Você me ama, eu te amo.
- Não esse tipo de amor, Luc. - falei começando a ficar impaciente.
- Que tipo então ? - ele também já estava ficando impaciente.
- Do jeito homem e mulher, não irmã e irmão.
- Mas eu já estou acostumado com essa vida, não gosto de me prender a ninguém.
- Sua vida de pegador ? Ah, Luc, cala a boca. Eu não estou falando para você casar com ela.
- Ai de você se falasse também. Sou muito novo para isso.
- Você só namorou uma vez e, eu sei que, aquela idiota te magoou, mas por que não dar uma chance para a Paula ?
- Porque a Paula não é uma daquelas garotas que eu pego um dia e não procuro nunca mais. Ela é legal, apesar de tudo, e gosta de mim. Eu não quero magoá-la.
- Já parou para pensar que talvez você a esteja magoando mais ainda agindo desse jeito ?
- Será ? - ele perguntou e eu dei de ombros.
- Só pensa direitinho nisso tá ? E liga para os nossos pais avisando que ela vai para gente para a Itália.
- Ela vai ?
- Vai. Não vou deixar a Paula sozinha aqui, Luc. - falei de uma forma óbvia.
- Mas ela sabe disso ?
- Saberá... - dei um beijo em sua testa e fui para o banheiro.
Tirei minha roupa da forma mais lenta que consegui, parando para analisar o meu dia. Como um dia começou de um forma tão boa, passou para um acontecimento tão ruim e acabou comigo dando conselhos amorosos para o meu irmão mais velho ?
Liguei o chuveiro e, enquanto a água gelada descia pelo meu corpo, molhando meu cabelo, deixei a minha máscara de pessoa forte cair e me entreguei ao meu choro forte, constante e agoniante.
Quem eu estava querendo enganar ?
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